Artigo publicado na Zero Hora de 16/04, por Fernando de Oliveira Souza (Médico e professor universitário)
Todos nós, que nos preparamos na vida escolar, aprendemos da física as propriedades da matéria, entre elas a impenetrabilidade, qual seja, dois corpos não podem ao mesmo tempo ocupar o mesmo lugar no espaço.
Esta máxima, até agora nunca contestada, vem sendo questionada através de sucessivos mandados judiciais visando à internação de pacientes em hospitais públicos. É raro o dia que no Hospital Universitário de Santa Maria não comparece um paciente acompanhado de oficial de Justiça munido de um mandado de intimação. Numa das últimas vezes em que isto ocorreu, solicitei ao oficial de Justiça que me acompanhasse ao interior do hospital, onde lhe mostrei a sala de observação do pronto-atendimento e a unidade de internação.
Na sala de observação, todos os leitos, macas e cadeiras estavam ocupados por pacientes, muitos deles em mau estado geral. Apesar disso, seguiam os encaminhamentos de cidades vizinhas, o que nos forçava a reter as macas das ambulâncias para poder acomodar os pacientes enviados. Na visita à sala de observação sugeri ao oficial, para descontrair o ambiente já tenso, que fosse proposto às indústrias de material hospitalar a construção de macas-beliche, que poderiam então acomodar dois pacientes.
A seguir, subimos às unidades de internação, que estavam obviamente lotadas. Solicitei então ao oficial de Justiça que indicasse qual paciente deveria ter alta hospitalar para que pudéssemos internar o paciente que ele acompanhava.
Minha intenção com a pergunta não era constrangê-lo, mas, sim, expressar minha perplexidade frente a sucessivas ações do mesmo gênero parecendo denotar que os magistrados desconhecem a realidade dos hospitais públicos no país. Fazendo um paralelo com o sistema prisional, onde a superlotação também é um problema, já assisti na mídia a juízes e promotores por diversas vezes visitando as cadeias públicas, ao passo que, em 24 anos de trabalho em um hospital público, nunca tive o prazer de encontrar um magistrado “vendo de perto” a nossa realidade.
Por outro lado, colocando-me humildemente na posição do juiz, entendo que frente a uma situação de urgência, muito embora os dados possam ser “maquiados” pelos interessados, não lhe reste alternativa a não ser ordenar sua resolução, mesmo na dúvida, agir “pró-paciente”.
Qual a solução então desta “sinuca de bico”, aparentemente sem saída? Aproveitando o “gancho” do sistema prisional, é adequar a relação leito hospitalar/população a níveis não críticos através da construção ou reativação de mais hospitais. Afinal, não temos o sistema público de saúde digno de ser copiado pelo presidente Obama? Será?
sexta-feira, 16 de abril de 2010
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Interessante...
ResponderExcluirConcordo, Fabiana!
ResponderExcluirO legislativo, por motivo da própria função jurídica, assume uma postura imparcial e regrada (decisões baseada nas leis). Porém faz-se necessária, em decisões sociais, uma análise da consequencia da decisão.
Abraço.